Existem
muitas formas de luto.
E existem
muitas causas de luto.
A maneira
como cada um vai sentir é própria, inerente de cada um. Não existe um padrão. Você
pode chorar, pode ficar calado, pode gritar, espernear ou simplesmente ficar
quieto e sentir-se o mais miserável dos seres. Pode exagerar na comida, na música,
na farra, na bebida, fazer seja lá o que for. E do mesmo jeito, existem várias
causas desse sofrer e não somente por causa da morte.
A morte pode
despertar vários sentimentos e emoções, desde uma aparente indiferença até o
desespero total. Quando meu esposo faleceu eu fui da descrença até o ódio mortal,
este último sendo justificado, na minha cabeça, pelo fato de ter sido de forma
deliberada. Passei por maus lençóis, com duas crianças para dar conta, uma vida
financeira completamente forasteira para mim. Depois de casada, nunca mais
havia feito compras em mercantil, não sabia quanto custava o quilo de nada e
muito menos qual a senha do meu próprio cartão. Então, ter que descobrir como
me apropriar de tudo isso, enterrar um marido (que também não é fácil em termos
burocráticos, além do sentimental), enfrentar a vida com meus dois filhotes,
pôs-me em uma situação de pânico completo. Lembro perfeitamente de uma vez que
fiquei um bom tempo com a cabeça debaixo do chuveiro pensando em como seria a
nossa vida dali pra frente, se eu iria conseguir levar tudo certinho.
Meu luto foi
meio louco e extremamente vigiado. Eu não podia apresentar nenhuma reação
alegre em nenhum momento, pois os meus sogros, especialmente a minha sogra já
estava ali para me lembrar e condenar que eu havia perdido o marido, o grande
filho dela. Ele realmente era um homem bom, responsável e de bom caráter, como
poucos. Mas eu tinha duas vidinhas que precisavam de estímulos e precisavam entende
o que estava acontecendo e eu não podia simplesmente parar, colocar a cabeça no
meio das pernas e chorar o tempo todo. Foi uma situação atípica, onde por um
lado eu tinha que mostrar aos filhos força para continuar, que eles tinham que
aprender a superar, a vida continuava e de outro, nos momentos em que eu queria
fazer o que me dava na telha para enfrentar meu luto, tinha que me comportar de
um modo padrão, pois qualquer vacilo poderia ser motivo para um monte de
falação. Mal sabia eu que tanto fazia eu seguir as regras como não e quem sabe
se eu não tivesse seguido-as, a coisa tinha sido diferente.
O ser humano
quando quer é a pior coisa que se pode ter ao lado da gente. Jamais vou
entender certos comportamentos. Mesmo eu fazendo de tudo para não machucar
ninguém e deixar bem claro o quanto de falta ele estava fazendo, ainda saí de
ruim da situação toda, levando minha família, naquele momento composta somente
por nós três, a ouvir e ver certos comportamentos e comentários horrorosos e
condenatórios que até hoje não entendo a necessidade. Mentira, calúnia, fofoca,
parece que tudo o que estava sendo seguro pela barragem da presença do meu
falecido esposo veio à tona depois que ele se foi. E por isso tive que dar
início à minha peregrinação por um local decente e apropriado onde meus filhos
pudessem viver e crescer de forma saudável.
Nessas horas,
embora seja um jargão comum, é que conhecemos as pessoas. Todas as máscaras
caem e podemos identificar quem realmente se importa com o outro, quem se
preocupa em ver o próximo bem.
Até hoje
vivo numa luta constante para ver meus filhos o mais confortáveis possível, em
todos os aspectos. Isso não quer dizer que eles tenham tudo o que querem, pelo
contrário, as dificuldades são grandes por conta de todo sufoco daquela época
que ainda respinga hoje. Mas elas vão passar de vez. Minha doença, na cabeça de
alguns familiares a grade causadora do enorme sofrimento do meu esposo
falecido, avançou demais e com isso não é sempre que posso fazer o quero, do
jeito que quero, na hora que quero. Mas existem pessoas que me ajudam muito e
dedicam a vida a batalhar junto comigo para que todos nós fiquemos bem.
Eu é que,
por vezes, não acho justo que ninguém se prenda a mim ou deixe e fazer outras
coisas por minha causa. Não gosto disso, pois acho a liberdade um direito
essencial e quando eu vejo que posso impedir alguém de fazer algo, sinto-me um
completo estorvo. E aí, aquele luto enraivado aparece de novo. Não posso desistir
de viver nunca, mas a tristeza por vezes toma conta de um jeito que não sei o
que pensar.
Queria muito
que as coisas fossem diferentes, mais fáceis, melhores. Sei que a vida não é um
mar de rosas e não teria graça nenhuma se o fosse o tempo todo. A beleza está
na luta diária também. Mas mesmo essa luta cansa e desanima às vezes,
principalmente quando dependemos de outros para que nossas coisas andem. Só um
pequeno exemplo: todo o dinheiro que juntamos durante anos, inclusive heranças
de meu pai, dinheiro do carro que vendi na época e não tive tempo de comprar
outro, ainda está preso, há quase seis anos. Mesmo se tratando de um processo
fácil, tanto ele quantos outros direitos que meus filhos têm, ainda não estão
resolvidos então, quando passo por alguma dificuldade financeira, a primeira coisa
que me lembro é disso e me sobe uma raiva, uma indignação sem tamanho. Até bem
pouco tempo não era assim, mas as necessidades das crianças aumentam e eu, pode
você dizer até que é exagero, sinto-me decepcionada, enraivada, pensando em até
onde isso vai. Acho que por isso tudo, meu ciclo de luto ainda não terminou
completamente. Penso que só vai finalizar no dia em que conseguir colocar tudo
em ordem e me livrar de toda nesga do passado.
Espero que
daqui a pouco eu venha com notícias melhores.
Paz e bem.
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