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quinta-feira, 13 de abril de 2017

LUTO

            Existem muitas formas de luto.
            E existem muitas causas de luto.
           A maneira como cada um vai sentir é própria, inerente de cada um. Não existe um padrão. Você pode chorar, pode ficar calado, pode gritar, espernear ou simplesmente ficar quieto e sentir-se o mais miserável dos seres. Pode exagerar na comida, na música, na farra, na bebida, fazer seja lá o que for. E do mesmo jeito, existem várias causas desse sofrer e não somente por causa da morte.
          A morte pode despertar vários sentimentos e emoções, desde uma aparente indiferença até o desespero total. Quando meu esposo faleceu eu fui da descrença até o ódio mortal, este último sendo justificado, na minha cabeça, pelo fato de ter sido de forma deliberada. Passei por maus lençóis, com duas crianças para dar conta, uma vida financeira completamente forasteira para mim. Depois de casada, nunca mais havia feito compras em mercantil, não sabia quanto custava o quilo de nada e muito menos qual a senha do meu próprio cartão. Então, ter que descobrir como me apropriar de tudo isso, enterrar um marido (que também não é fácil em termos burocráticos, além do sentimental), enfrentar a vida com meus dois filhotes, pôs-me em uma situação de pânico completo. Lembro perfeitamente de uma vez que fiquei um bom tempo com a cabeça debaixo do chuveiro pensando em como seria a nossa vida dali pra frente, se eu iria conseguir levar tudo certinho.
            Meu luto foi meio louco e extremamente vigiado. Eu não podia apresentar nenhuma reação alegre em nenhum momento, pois os meus sogros, especialmente a minha sogra já estava ali para me lembrar e condenar que eu havia perdido o marido, o grande filho dela. Ele realmente era um homem bom, responsável e de bom caráter, como poucos. Mas eu tinha duas vidinhas que precisavam de estímulos e precisavam entende o que estava acontecendo e eu não podia simplesmente parar, colocar a cabeça no meio das pernas e chorar o tempo todo. Foi uma situação atípica, onde por um lado eu tinha que mostrar aos filhos força para continuar, que eles tinham que aprender a superar, a vida continuava e de outro, nos momentos em que eu queria fazer o que me dava na telha para enfrentar meu luto, tinha que me comportar de um modo padrão, pois qualquer vacilo poderia ser motivo para um monte de falação. Mal sabia eu que tanto fazia eu seguir as regras como não e quem sabe se eu não tivesse seguido-as, a coisa tinha sido diferente.
            O ser humano quando quer é a pior coisa que se pode ter ao lado da gente. Jamais vou entender certos comportamentos. Mesmo eu fazendo de tudo para não machucar ninguém e deixar bem claro o quanto de falta ele estava fazendo, ainda saí de ruim da situação toda, levando minha família, naquele momento composta somente por nós três, a ouvir e ver certos comportamentos e comentários horrorosos e condenatórios que até hoje não entendo a necessidade. Mentira, calúnia, fofoca, parece que tudo o que estava sendo seguro pela barragem da presença do meu falecido esposo veio à tona depois que ele se foi. E por isso tive que dar início à minha peregrinação por um local decente e apropriado onde meus filhos pudessem viver e crescer de forma saudável.
            Nessas horas, embora seja um jargão comum, é que conhecemos as pessoas. Todas as máscaras caem e podemos identificar quem realmente se importa com o outro, quem se preocupa em ver o próximo bem.
            Até hoje vivo numa luta constante para ver meus filhos o mais confortáveis possível, em todos os aspectos. Isso não quer dizer que eles tenham tudo o que querem, pelo contrário, as dificuldades são grandes por conta de todo sufoco daquela época que ainda respinga hoje. Mas elas vão passar de vez. Minha doença, na cabeça de alguns familiares a grade causadora do enorme sofrimento do meu esposo falecido, avançou demais e com isso não é sempre que posso fazer o quero, do jeito que quero, na hora que quero. Mas existem pessoas que me ajudam muito e dedicam a vida a batalhar junto comigo para que todos nós fiquemos bem.
            Eu é que, por vezes, não acho justo que ninguém se prenda a mim ou deixe e fazer outras coisas por minha causa. Não gosto disso, pois acho a liberdade um direito essencial e quando eu vejo que posso impedir alguém de fazer algo, sinto-me um completo estorvo. E aí, aquele luto enraivado aparece de novo. Não posso desistir de viver nunca, mas a tristeza por vezes toma conta de um jeito que não sei o que pensar.
            Queria muito que as coisas fossem diferentes, mais fáceis, melhores. Sei que a vida não é um mar de rosas e não teria graça nenhuma se o fosse o tempo todo. A beleza está na luta diária também. Mas mesmo essa luta cansa e desanima às vezes, principalmente quando dependemos de outros para que nossas coisas andem. Só um pequeno exemplo: todo o dinheiro que juntamos durante anos, inclusive heranças de meu pai, dinheiro do carro que vendi na época e não tive tempo de comprar outro, ainda está preso, há quase seis anos. Mesmo se tratando de um processo fácil, tanto ele quantos outros direitos que meus filhos têm, ainda não estão resolvidos então, quando passo por alguma dificuldade financeira, a primeira coisa que me lembro é disso e me sobe uma raiva, uma indignação sem tamanho. Até bem pouco tempo não era assim, mas as necessidades das crianças aumentam e eu, pode você dizer até que é exagero, sinto-me decepcionada, enraivada, pensando em até onde isso vai. Acho que por isso tudo, meu ciclo de luto ainda não terminou completamente. Penso que só vai finalizar no dia em que conseguir colocar tudo em ordem e me livrar de toda nesga do passado.
            Espero que daqui a pouco eu venha com notícias melhores.

            Paz e bem.   

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